segunda-feira, 21 de junho de 2021

 

Diz aí no que tu está pensando?

 Gilberto Jasper

Jornalista

gilbertojasper@gmail.com



Gente que faz a vida valer a pena

        Nestes tempos bicudos, viver uma experiência solidária é um bálsamo que consola as nossas dores. No ano passado comprei um par de alpargatas de couro pela internet. O calçado, fabricado na região metropolitana e preço justo, chegou no prazo prometido. Na hora de usar, porém, a decepção: bem no meio da palmilha havia uma saliência semelhante à cabeça de um prego ou de uma tachinha.

        Teimoso como bom descendente germânico tentei usar, sem sucesso, devido ao desconforto. O calombo, mesmo pequeno, quase imperceptível, incomodava muito na hora de caminhar. Resignado, deixei o par jogado no fundo do armário. O recrudescimento do frio, porém, motivou a busca de uma solução.

        Depois de localizar pela internet uma loja de palminhas fui até o centro de Porto Alegre para conferir o produto. Saquei a alpargata da mochila para que uma gentil senhora examinasse. Em seguida ela buscou uma palmilha de silicone na vitrine. Depois de examinar a situação avisou:

        - Eu até posso vender o produto, que custa 60 reais, mas vai durar poucos dias e rasgar – explicou, sob a anuência de um colega balconista.

        Eles sugeriram que procurasse um sapateiro. Lembrei um profissional perto da minha casa, onde fui substituir a correia de couro da mateira recentemente. A mulher da sapataria me reconheceu, perguntou qual era o problema. Depois de examinar o calçado sugeriu:

        - O senhor não quer dar uma volta ou esperar aqui mesmo porque isso aqui a gente resolve logo! - disparou.

        Aceitei a sugestão. Fui ao supermercado da esquina. Em 15 minutos retornei à loja de consertos onde a mulher me esperava com um sorriso.

        - Não era prego, senhor... nem uma tachina. Era um pingo de cola que endureceu. Foi só passar uma lixa  que ficou perfeito! – detalhou.

        Ato seguinte, perguntei o custo do reparo:

        - Mas bem capaz! Foi só passar uma lixa fina. Não teve gasto algum. É cortesia da casa! – afirmou.

        Agradeci três vezes! No trajeto até o carro pensei nas duas lições daquela quarta-feira. Primeiro: apesar da proliferação de golpes de todo tipo, principalmente pelo whatapp, ainda existe muita gente honesta, gentil e trabalhadora.

        Mas, por outro lado, refleti: que tempos absurdos vivemos onde um serviço é bem feito (e grátis) ou é recusado por impossibilidade de resolver um problema, evitando uma despesa desnecessária. Ser honesto e sincero, atributos antigamente normais, hoje são motivos de comemoração e surpresa.

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