Gilberto Jasper
Jornalista
Gente que faz a vida valer a pena
Nestes
tempos bicudos, viver uma experiência solidária é um bálsamo que consola as
nossas dores. No ano passado comprei um par de alpargatas de couro pela
internet. O calçado, fabricado na região metropolitana e preço justo, chegou no
prazo prometido. Na hora de usar, porém, a decepção: bem no meio da palmilha
havia uma saliência semelhante à cabeça de um prego ou de uma tachinha.
Teimoso como bom descendente
germânico tentei usar, sem sucesso, devido ao desconforto. O calombo, mesmo
pequeno, quase imperceptível, incomodava muito na hora de caminhar. Resignado,
deixei o par jogado no fundo do armário. O recrudescimento do frio, porém,
motivou a busca de uma solução.
Depois de localizar pela
internet uma loja de palminhas fui até o centro de Porto Alegre para conferir o
produto. Saquei a alpargata da mochila para que uma gentil senhora examinasse.
Em seguida ela buscou uma palmilha de silicone na vitrine. Depois de examinar a
situação avisou:
- Eu até posso vender o produto,
que custa 60 reais, mas vai durar poucos dias e rasgar – explicou, sob a
anuência de um colega balconista.
Eles sugeriram que procurasse um
sapateiro. Lembrei um profissional perto da minha casa, onde fui substituir a
correia de couro da mateira recentemente. A mulher da sapataria me reconheceu,
perguntou qual era o problema. Depois de examinar o calçado sugeriu:
- O senhor não quer dar uma
volta ou esperar aqui mesmo porque isso aqui a gente resolve logo! - disparou.
Aceitei a sugestão. Fui ao
supermercado da esquina. Em 15 minutos retornei à loja de consertos onde a
mulher me esperava com um sorriso.
-
Não era prego, senhor... nem uma tachina. Era um pingo de cola que endureceu.
Foi só passar uma lixa que ficou
perfeito! – detalhou.
Ato seguinte, perguntei o custo
do reparo:
- Mas bem capaz! Foi só passar
uma lixa fina. Não teve gasto algum. É cortesia da casa! – afirmou.
Agradeci três vezes! No trajeto
até o carro pensei nas duas lições daquela quarta-feira. Primeiro: apesar da
proliferação de golpes de todo tipo, principalmente pelo whatapp, ainda existe
muita gente honesta, gentil e trabalhadora.
Mas, por outro lado, refleti:
que tempos absurdos vivemos onde um serviço é bem feito (e grátis) ou é
recusado por impossibilidade de resolver um problema, evitando uma despesa
desnecessária. Ser honesto e sincero, atributos antigamente normais, hoje são
motivos de comemoração e surpresa.
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